sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

HISTÓRICO


DO RIO PARA O MAR

Menino das águas, menino das tintas

Menote Cordeiro foi um daqueles meninos banhados de rio. Na cidade onde nasceu, Janaúba, norte de Minas, passava o Rio Gorutuba, subafluente do São Francisco.

Ali parecia que a infância era também feita das pedrinhas do rio e dos peixes – piabas –, que Menote nunca conseguiu pegar. Talvez nem quisesse: só olhar o brilho deles furando as águas já era tão bom, eram pincéis se movendo e despertando no menino o fascínio das cores multiplicadas pela luminescência das águas. É verdade, os peixes não foram pescados, mas hoje habitam inúmeros quadros do artista, saídos do mais fundo de sua história.

O menino Menote originou um adolescente que passava horas dos seus dias colorindo com lápis de cor. Do papel para a tela foi um pulo, e Menote desvendou por seu próprio esforço e curiosidade os segredos da tinta a óleo. Foi assim que, aos 18 anos, montou sua primeira exposição, composta de 10 quadros óleo sobre tela.

Mas a história continua. Sem renunciar à sua paixão pelo óleo, descobriu na aquarela o surpreendente domínio do tempo da água. Um tempo em que mergulhou na criação de identidades visuais para vários projetos culturais, já trabalhando em Belo Horizonte.
Novas influências, múltiplas referências e outras linguagens vieram desaguar nas mãos do artista. Um grande parceiro surgiu: o computador. Mesmo encantado pela precisão dessa novidade, Menote nunca abandonou o instinto que rege o desenho à mão livre. Agora, é com uma caneta óptica que o artista desenha, pinta, colore, executa sua arte e expressa seu fascínio pelos peixes, rios, árvores, mar e música, sempre aberto à busca e descoberta de novas linguagens, materiais e técnicas.


Um novo norte: o viés da cultura

A sedução do cinema, o namoro com a música e os diferentes temas dos projetos culturais foram fonte de um prazer sempre renovado. O artista então produziu obras para a Mostra de Cinema de Tiradentes e para o Festival Tudo é Jazz, quando ilustrou alguns dos ícones da música internacional: Tom Jobim, Milton Nascimento, Billie Holiday e Amy Winehouse.

Menote desenvolveu ainda a identidade visual de diversos projetos institucionais, como o Instituto de Preservação do Cerrado Brasileiro, sob a chancela da Unesco, época em que dois de seus quadros foram enviados ao ex-presidente da União Soviética Mikhail Gorbachev e mais um para o Conselho Mundial de Águas, da Unesco. Menote participou com seu trabalho dos Diálogos da Terra – Fórum Mundial de Desenvolvimento Sustentável, realizado em Belo Horizonte.

Para o Ministério da Cultura, criou a identidade visual de seminários e encontros, como o Seminário da Diversidade e o Encontro de Saberes. No lançamento do projeto Eu Faço Cultura, o artista expôs painéis que representam a dança, a música, o teatro e o cinema.

Na sede da Rede Nacional de Paleontologia, há seis grandes painéis de Menote ilustrando a preservação dos sítios paleontológicos brasileiros. É também do artista a identidade visual do I Festival de Cultura Indígena, realizado em Paris.
No Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, encontra-se em exposição permanente o painel "Tempo de Ipê", com 20 metros de comprimento. Mais recente é a sua participação nas novelas Insensato Coração, Aquele Beijo e Salve Jorge – da Rede Globo, nas quais seus quadros foram destaque nos cenários.


Cor de música

A arte de Menote tem uma forte ligação com a música. Para ele, seria ótimo desenhar ao som apenas de pássaros e ventos, mas, como mora em uma cidade grande, essa prática precisa ser adaptada. Fecha as janelas e cria a sua própria barreira de proteção sonora ouvindo música. “A sensação que tenho é que a música potencializa a minha capacidade de adentrar outros mundos.É como se a música criasse o cenário de um ritual para o nascimento dos meus desenhos”, explica Menote.

“Ouço o mesmo repertório durante dias, enquanto busco na leitura e em pesquisas as cores mais representativas para desenvolver uma obra. Com a paleta de cores então definida, cada quadro tem sua profundidade. E, uma vez submerso, as inspirações vem como ímãs”, conclui o artista.


Divinamentos, Peixes e Calendas

Arte e espiritualidade caminham juntas na obra de vários artistas desde o começo dos tempos. E com Menote Cordeiro não é diferente. A primeira referência da fé de Menote foi o chão da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Janaúba. Ele diz que não entendia o que o padre falava e preferia se deleitar com o desenho dos azulejos do piso.

Filho de mãe católica, Menote sempre reconheceu nas imagens dos santos e santas um canal de elevação. Em sua trajetória artística, figuram como primeiras epifanias a série “Imaculado Coração de Nossa Senhora de Janaúba”, “Nossa Senhora das Boas Lembranças” e “Nossa Senhora do Rosário e eu”. É o divinamento da imagem da mãe de família mesclada com a própria terra natal – Janaúba.

Por outro lado, o tempo também se configura como um tema recorrente. Para Menote Cordeiro, tentar capturar a alma dos dias é uma forma de peregrinar pelo calendário com olhar novo, de novo, celebrando assim, de alguma maneira, a fugacidade do tempo: se o tempo passa, vamos celebrá-lo com imagens que o eternizam – calendas do nunca mais.

Da mesma forma, o peixe é um tema sempre renovado nos quadros de Menote. É a água onipresente, pois peixe e água se misturam, inseparáveis. O rio volta a correr, as águas viram mar: e lá estão os peixes outra vez, como se passassem de um quadro para o outro, nadando em um curso líquido ininterrupto – o inconsciente.


É desse inconsciente que surge também o tema das árvores. Como Menote costuma dizer, "as árvores e seu incansável desejo de estabelecer contatos". É o silêncio das raízes debaixo da terra, evocando nossa ligação com um tempo de memória e, por outro lado, são os galhos voltados para o alto buscando o sempre novo, a eternidade.




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